sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

365 Days Writing: Três outras Histórias

365 DAYS WRITING, 12º DIA - Compartilhe 3 histórias de outro escritor



Escritora: Katharynny Gabriella       História: Desafio 365, dia 8
Link: https://myrefuge-katharynny.blogspot.com.br/2018/01/desafio-365-dia-8.html

No conto feito para o desafio dos 365 dias, somos jogados na vida de Kiara, uma jovem de personalidade sarcástica, mas que parece sofrer por uma relação amorosa destruída pela distância. Conforme a história se desenrola, você percebe que as coisas não são bem assim. 




Escritor: Maquiavélico                     História: O Psicopata de Washington
Link: https://aminoapps.com/c/terroramino_pt/page/blog/o-psicopata-de-washington/Z6DB_W0EHBugoLW20ZeXoBxPreJxxLJv5qk

Na história de suspense/terror, um detetive está empenhado a encontrar e fazer com que o mais novo serial killer da cidade pague por seus crimes. O que ele não esperava eram as surpresas que o caso lhe traria.


Escritor: Katharynny Gabriella        História: Olhos Vazios
Link: https://www.wattpad.com/story/103420585-olhos-vazios

Esta já é uma história mais comprida - um livro, não um conto -, mas vale a pena cada capítulo. Aqui vamos conhecer a história de Li Ka Hua, a filha de um chinês com uma americana que é herdeira de uma companhia de hotéis. Não só isso, ela também tem um segredo: algo em seus olhos, que pode ameaçar a vida da pessoa que mais ama.

Sinopse Original: "Li Ka Hua esconde um segredo mortal. Filha do herdeiro de uma das mulheres mais poderosas da China, tudo que ela queria era sobreviver aos dois anos finais do ensino médio e poder levar uma vida segura pelo resto dos seus dias. Porém, seu jeito introvertido acaba chamando a atenção de Aidan Berkshire, um dos herdeiros mais cobiçados dos EUA. O fato de ela nunca olhar nos olhos de ninguém, o fato de receber tratamento especial e, sobretudo, o mistério que cerca Li Ka Hua, fascina Aidan. Porém, o segredo que se esconde atrás dos olhos cinzentos dela pode pôr em risco a sua vida e a vida de todos que ele ama.
Será o amor capaz de superar a morte? 
Não olhe nos olhos dela... se quiser viver. 
Baseado em uma lenda japonesa, Olhos Vazios é uma trama cheia de romance, um pouco de cultura chinesa/japonesa, poesia, sacrifício e a descoberta do que é, de verdade, a vida." 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

365 days writing: You're Gone / Partida

365 DAYS WRITING #8 DIA: UMA HISTÓRIA/CONTO EM SEGUNDA PESSOA

                                                         You're Gone / Partida

  Você deve estar um pouco nervoso agora, mas não, isto não é um sonho. Eu quero te contar algumas coisas, coisas reais, tão reais que doíam, doeram, mas com esforço já não me doem mais. Me diga primeiro, meu amor: você se lembra de mim? De todos meus detalhes, de todas as formas com a qual te olhei, com todos os sinais que te dei? Por favor, apenas me responda em sua mente: o que exatamente você está sentindo agora? Raiva? Tristeza? Medo? Felicidade?

  Você foi meu primeiro amor, você sabe. Nos conhecemos tão jovens que mal tive como conhecer outros amores! Você ocupava meu tempo, minha mente, até mesmo o tempo que deveria ser meu sozinha. Você me sufocava, mas eu gostava, pois sentia que devia estar feliz, quero dizer, nós éramos felizes, não?

  Éramos melhores amigos. Eu me lembro de nós sendo melhores amigos, pelo menos. De eu cantando músicas para você no violão, te ensinando a dançar, te mostrando que não era tão ruim assim se soltar com os outros e fazer novos amigos. Eu lembro das nossas risadas, das nossas piadas e de noites acordada apenas para falar com você. Mas me lembro das coisas ruins, também. Você também se lembra do dia em que me mostrou o vídeo de uma mulher se esfaqueando? De um homem sendo executado? Bem, eu sorri para eles, eu sorri para você sorrir. Mas eu odiei. Eles perturbam algum canto profundo de minha mente, mesmo agora. Você se lembra quando disse que não conseguiria viver sem mim, quando disse que já havia pensado em inúmeras formas de se matar? Eu tive medo. Medo por mim, medo por você. Você tiraria a própria vida se eu o deixasse? Você ainda está vivo, não está? Me diga: você tiraria a minha vida por você?

  A minha vida era sua. Tirar ou não, isto não era uma opção: a todo segundo eu estava com você. Eu respirava você, eu olhava você, eu ouvia você. Eu sonhava por nós, vivia por nós. De manhã ao acordar, de tarde e desde a noite até a parte mais escura da madrugada, eu estava ali conversando com você, mesmo quando haviam outras coisas que exigiam minha atenção. E quando por um momento apenas eu me virava para atender outra pessoa, você reclamava minha atenção e ficava sem falar comigo por algum tempo. Dizia que doía quando meus cinco minutos de demora o faziam sentir solitário – quando nem mesmo eu te dava atenção. Quando isso acontecia, doía em mim as horas que você passava me ignorando e tratando com grosseria.

  Eu acredito que tinha uma possibilidade de vida, no fim. Eu fazia teatro, tirava boas notas, tinha amigos. Você não gostava deles, não é? Dizia que eu perdia tempo no teatro, que as pessoas que estavam ali eram falsas e vazias por dentro e que iriam me contaminar – você as julgava por serem populares de mais. Eu sempre respondia com uma pergunta: o que você pensaria de mim, caso não me conhecesse a tempo? Eu seria vazia também? Eu nunca te disse, mas há mais para se ver em uma pessoa além da popularidade. Todos temos algo para esconder nos olhos, lá no fundo, naquele brilho quase imperceptível. Eu nunca encontrei o que você escondia.

  Você se lembra do dia em que toquei Os Incríveis enquanto esperava começar minhas aulas de teatro? Lembra-se como cantei para você ou ao menos da conversa que tivemos?

- Não era belo, mas mesmo assim... Havia mil garotas sim! Cantava Help and Ticket to Ride-- O que foi?

  Você estava tão distante aquele dia. Não me olhava cantar como antes, não sorria. Eu tinha meus problemas também. Havia brigado com minha melhor amiga e estava com problemas com um cara idiota da sala. Eu estava destruída por dentro, me sentia enganada, havia sido magoada pelas pessoas que gostava e estava psicologicamente exausta. Mas eu estava lá para você, eu era forte por você. Você sabia de tudo isso, eu te contava tudo por mensagens enquanto não nos víamos. Você sabia o quanto eu precisava de você.

- Nada, continua...

- Ei, fala comigo. Está tudo bem? - eu larguei o violão para você, por você, e te abracei do jeito que você gostava que eu fizesse.

- Estou bem. É só que... Ah, não sei. As vezes as coisas parecem não fazer tanto sentido. Essas brigas suas, minhas relações lá em casa... O ser humano é terrível, Ana. Nós só pensamos em nós mesmos. Estamos aqui para que, afinal? Isso me machuca, de certa forma... As pessoas pregam amor, mas não olham pelo outro.

- Por isso temos que fazer a diferença – sorri. Você balançou a cabeça.

- Eu sou horrível, Ann. Eu... Eu não sei, eu vejo as coisas e não consigo sentir nada, entende? Eu não sei se você entende... Você sente tanto.

- Você sente, sim. Ou não me ama? Você precisa ver mais as coisas da vida, se desprender desse monte de morte que fica vendo no celular – resmunguei. Um som, o sino do colégio avisando o começo das aulas – Eu preciso ir.

- Vamos sair, uma falta não faz diferença. É só teatro, Annie – você pegou minha mão, fazendo a cara que eu temia que fizesse. Mas eu não podia faltar, não no dia de ensaio, então disse não. Quando cheguei em casa havia uma mensagem longa no celular. Você não falou comigo o resto do dia. Você me culpou de não ligar para os seus sentimentos.

  Eu sabia que você fez isso para ficar sozinho. Era tudo para poder pensar, sim, você gostava disso. Mas eu realmente precisava de você aquele dia, e chorei sozinha. Te mandei tantas mensagens! Te culpei de não me dar atenção, de não corresponder ao meu esforço. Você disse que eu era egoísta.

  Eu te odiei um pouquinho, sabe? Por você ser do jeito que é, tão pessimista, tão para baixo. Por você me colocar para baixo. Minhas respostas não foram as melhores, eu sei, mas as suas também não. E a gente terminou assim, por mensagem de texto. Aquela noite eu dormi chorando e chorei na escola, escondida, e na saída, quando esperei você aparecer e se desculpar. Mas você não apareceu. Dias depois você me mandou mensagem, dizendo que não podíamos terminar daquele jeito, que eu era diferente das outras e que me amava. Me diga: você me amou realmente ou era tudo uma mentira para te confortar, para tornar as coisas melhores? Você estava vivendo sozinho um conto de fadas de almas puras e solitárias, ou algum desses clichês góticos? Eu queria te perdoar, mas eu tinha medo e todos me diziam que você era louco. Eu achei que você fosse louco. Eu te disse que você era louco.

  Você disse que devia me matar, depois que era brincadeira. Eu tive medo por todo o caminho de casa até o colégio por uma semana, eu revia mentalmente os videos terríveis que você me mostrava. Você ia me matar? Você poderia me matar, você poderia me ameaçar daquela forma? Eu te amava, eu sabia que a resposta era não – você nunca me faria mais mal do que já havia feito.

  Você destruía minha positividade com suas reflexões. O que eu era? Céus! Qual era o sentido da vida para mim? Eu não tinha perspectiva do meu futuro, não. Quando eu percebi, havia sonhado uma vida para nós, mas nunca havia notado o quanto você me fazia mal. Sim, eu te culpo. Você podia ter percebido antes o quanto eu precisava de mais que videos terríveis, mais que dramas e acusações.

  Você me chamou novamente, mais um pedido de desculpas. Eu aceitei e corri para seus braços, mas você já não era você. O rosto era diferente, estranho, e eu não conseguia te beijar como beijava antes. Meus abraços eram frios. Os sorrisos e palavras, da boca para fora. Eu estava atuando no seu conto de fadas, tentando fazer aquilo parecer certo, mas não era. Você parecia mais cuidadoso: não pegava no meu pé para ficar contigo, não me privava de nada, mas ainda repreendia minhas demoras. Havia uma parede entre nós, mas estávamos tentando – e eu não estava conseguindo.

  Eu não conseguia porque eu já não suportava nem mesmo minha verdade, quanto mais a mentira que existia entre nós. As coisas estavam piorando para mim, você sabe. Eu descobri que meus sonhos eram uma mentira, que eu não era o que devia ser. Eu estava cansada de estar lá apenas por estar – de ouvir palavras vazias e falar apenas o que os outros queriam ouvir. Cansada de não atender as expectativas dos meus pais, nem as suas e nem as minhas.

  Gostaria de saber se alguém viu o pedido de socorro nos meus olhos, se alguém sequer pensou em me ajudar. Você o viu – eu sei que viu. Me perguntou baixinho o que tinha acontecido e eu não quis te preocupar, então você riu e disse que era melhor eu parar de graça porque estava estranha. Foi então que comecei a ir na cobertura do trabalho, quando não havia mais nenhum fumante para me perturbar com suas conversas fiadas. Eu olhava o mundo lá embaixo – eu sentia meu corpo, finalmente, apesar de já não sentir minha mente. Você alguma fez quis sentir minha mente, sob toda a pele que eu lhe ofereci?

  Mas eu nunca pulava, eu não tinha coragem. Eu sabia que, se um dia morresse, teria sido pelas mãos de alguém. Eu não vou ser hipócrita em dizer que não quero acusar ninguém aqui, pois desejo apontar cada um de meus assassinos. Quero dizer de quem foi a mão que me empurrou para o abismo da morte.

  Haviam poucas mãos femininas. Eu podia ver os esmaltes, tão diferentes, eles me sufocavam. Era algo que eu era – mas eu não era! Aquela era a minha mão? Eu posso jurar que minha mão estava ali, você acreditaria? Mas havia também as mãos de Ana, Beatriz, Karol e mais tantas outras com quem meu caminho cruzou. Amigas, mas que não me seguraram forte o bastante. Amigas que me lembravam o que eu tinha que ser, mas que já estava muito fora da linha para alcançar.

  Também haviam ali algumas mãos masculinas, algumas fortes, algumas nem tanto. Mãos que lembravam risadas, mas também momentos duros e solitários. Havia a mão de Carlos, a de Marcos e a de Gabriel, assim como a de meu pai e irmão. Havia a mão do meu chefe e a de cada pessoa boa ou ruim com quem eu interagira na faculdade. Haviam mãos que eu invejava, outras que eu temia. E havia a sua mão. Eu lembro da sua mão, como se ela realmente estivesse ali... mas ela estava, não estava? Diferente das outras, sua mão era quente e real. E havia um braço também, e um ombro, um pescoço e uma cabeça. E um sorriso que mesmo em minha pós-vida não pretendo esquecer. Era um sorriso diferente, como de "eu avisei", como se você estivesse prevendo durante todo este tempo. Como se tivesse ganhado uma aposta. E eu odiei aquele sorriso, céus, como o odiei!

  Eu me lembrei de todo o mal que havia me feito e, naquele momento, todo o bem que vivemos havia sumido. Você era um sanguessuga, uma maldita criatura enviada para me findar a vida. Seu negativismo me abalava e você parecia sequer se importar com o que havia por dentro, por trás de palavras rebuscadas que te agradavam. Saiba agora que há lagrimas sob a poesia, há um coração por trás do poeta e sangue ao redor da musa.

  Eu lutei contra sua mão. Lutei contra você, bati em você, senti você. Eu corri, finalmente deixando para trás tudo aquilo, toda a loucura na qual você havia me jogado. Eu te usei para me levantar enfim, e lhe cuspirei a face quando nos revermos. Você já havia matado minha inocência, já havia matado minha bondade e felicidade, não deixaria levar minha alma.

  Quero que saiba que não te contatei por todo esse tempo porque, apesar de todo o ódio e rancor que o viciado tenha, aquela ainda é sua droga. Sei que você tentaria me reconquistar com sua voz gentil, com seus toques. Por isso, não coloco endereço, não coloco contato. Quero que saiba que sai do abismo onde havia me jogado. Quero que veja, nas fotos junto a carta, o brilho de um sorriso que você quase apagou.

  Eu consegui um emprego em outra cidade e estou morando com parentes, mas em breve vou me mudar novamente. Estou há poucos meses de me formar, aliás. Não vou dizer no que, você não gostaria de qualquer forma. Queria terminar esta carta de uma forma podre, baixa, porém não vou abaixar tanto o nível das nossas lembranças. Eu consegui, eu te superei, eu te venci.

Com amor de sua primeira namorada,

Analiese Butcher.




365 days writing: Bad Lovers

365 DAYS WRITING: #3 DIA - UMA HISTÓRIA/CONTO SEM NENHUM DIÁLOGO

                                                                 Bad Lovers

  Era plena quinta-feira e a garota de cabelos negros curtos já se encontrava em lamentável situação, sozinha em uma mesa de bar. Não estava deplorável, no entanto: bem arrumada, perfumada e com uma última gota de orgulho no peito que a impedia de chorar desesperada, havia escolhido o bar mais caro para afogar o rancor, a tristeza – o ódio? – e seja lá o que tivesse dentro de si. Ela combinava com o lugar, também. Os brincos dourados deixavam claro que ela não era uma estranha para aqueles preços extravagantes.

  Pediu uma cerveja preta assim que sentou. Do lado de sua mesa, uma cantora mirim berrava alguma música do Arctic Monkeys, o que abafava o som dos copos e conversas ao redor e fazia seu ouvido reclamar. Mal conseguia ouvir os próprios pensamentos. A verdade é que estava ali para se torturar, culpando-se por não ter conseguido coragem suficiente para ter chamado o cara de quem gostava para sair. Não por falta de coragem, mas por falta de tempo: quando finalmente havia decidido o que fazer, não chegou a tempo de encontrar o sujeito na sala de aula. Não haviam números, não haviam e-mails. Nem um endereço para enviar uma carta! Isso era frustante.

  O gosto da cerveja descia sem aquele gosto bom do qual se lembrava, mas seguia copo atrás de copo até finalmente pedir a segunda garrafa. Foi aí que um sujeito alto e com um sorriso irritante apareceu, tomando o lugar vago na mesa e se candidatando a ser a boa companhia da noite. Que fosse! Pelo menos poderia desabafar, afinal. Quando notou estava na terceira garrafa, dividindo com o tal de Arlindo, mas que podia chamar de Lindo porque o Ar havia perdido. Na verdade o nome dele era Lúcio, como descobriu depois, e apesar de cantadas limitadas ele tinha um bom papo. Era preciso gritar para conseguirem ouvir um ao outro acima dos urros da cantora, mas valia o esforço: falaram sobre tudo, mesmo o que não tinha para falar. Aliens, música, cerveja, histórias de escola, sonhos. Ela desabafou e toda aquele drama trágico da garota foi tão estranho para ele que, no fim, ambos riram. Então decidiram ir para um lugar onde pudessem ouvir os próprios pensamentos, ou o que restava deles. Ela realmente não sabia quantas cervejas mais havia tomado, mas ao menos conseguia andar sem tropeçar. Veria no extrato do cartão depois, se tivesse coragem.

  Sentaram na sarjeta depois de perceberem que não tinham realmente um lugar para ir. Apenas ficaram lá, sorrindo, até ela pegar o próprio celular e mandar a primeira mensagem: o pedido de um número de telefone. Sorriu com a desculpa que conseguiu criar, apesar do álcool, e guardou novamente o telefone. Lúcio queria comprar mais bebida.

  Foram na lojinha mais próxima e compraram uma garrafa de vodka. Ela tomou apenas um gole para fazer careta e reafirmar o quanto não gostava daquilo. Quando Lúcio já havia deixado a garrafa na metade, usou o número que havia recebido por mensagem para chamar o tal sujeito que a levara até ali. Ia chamar ele para sair! Enquanto esperava a resposta foi até a loja de bebidas mais uma vez e comprou duas cervejas como desculpa para poder usar o banheiro em paz. Céus, dessa vez ela realmente estava contrastando com aquilo tudo. Os brincos ainda brilhavam, apesar de não ter mais tanto batom nos lábios quanto tinha ao chegar. Mas ela já se sentia parte daquilo, como se pudesse sentir a si mesma vibrando felicidade novamente, sentindo-se rejuvenescer naquela noite tão errada e ao mesmo tempo tão certa. Não havia tristeza, havia adrenalina! Ainda conseguia rir da última piada feita, minutos atrás, assim como conseguiria rir da primeira da noite caso se lembrasse dela!

  Sairam dali e foram para uma praça onde haviam outros jovens. Ainda falavam sobre tudo e ela ainda desabafava sobre o outro. Falavam sobre eles, também. Era engraçado como haviam ficado tão íntimos. Quando ela terminava a primeira garrafa, um homem robusto se aproximou e ofereceu alguma coisa que ela não ouviu bem - o ouvido ainda reproduzia ruídos da voz da mulher do bar. Era um saquinho plastico pequeno com algo verde dentro. Lúcio pagou cinco reais e enfiou o negócio no bolso da calça, continuando o que quer que falassem como se não fosse nada. Bem, ela não sabia se era alguma coisa. Foi só quando mais alguma hora se passou e ouviram uma sirene de algum lugar próximo que ela pensou na possibilidade daquilo dar algum problema e, naquele momento, Lúcio já tirava o pacote do bolso com certo desespero e entregava a ela.

  Estava tudo bastante perfeito até ali e era até deprimente a forma idiota como o outro estragou. Na verdade, ele estava ajudando ela a falar com o sujeito! De uma forma meio bêbada e tropeçada, eles conseguiam bolar umas respostas bacanas. Ela não tinha tido coragem para chamar ele para sair, mais uma vez, mas então ele havia tomado o celular de sua mão e enviado a mensagem curta e direta: 'topa beber depois no dia?'. Não era uma oração perfeita, haviam formas mais bonitas para ter chamado, mas para um bom entendedor estava compreensível.

  Quando a sirene apitou, tudo foi para algum lugar. A mão dele para o bolso, os olhos dela para o vazio do raciocínio que finalmente retomara como em uma piscada e se apagara novamente. Eles deram aquele olhar de "estamos ferrados, né?" e ele jogou o saco plástico no meio da moita atrás de si da forma mais discreta possível enquanto os policiais desciam da viatura e se aproximavam. Nada na revista. Pararam de perguntar tudo quando notaram a embriaguez, as respostas vagas e palavras tropeçadas, os risos sem sentido. Eles iam sair bem, sério. Até um dos policiais verem um brilho diferente no meio do mato, perto do banco onde os jovens estavam.

  Ela não falou nada, nem estava entendendo a situação, para falar a verdade. Não era com ela. Os policiais também não pareceram se importar em suspeitar apenas de Lúcio como dono daquilo e liberaram ela. Ela queria acreditar que Lúcio estava tão ocupado tentando inventar desculpas e alibis para os policiais que nem se lembrou de se despedir enquanto era levado para o carro, rumo à delegacia. A verdade era que ele não exatamente o que estava fazendo. Sabia que estava desesperado, então devia agir de forma desesperada, certo? Não havia se lembrado mesmo de se despedir da garota, ou ao menos de pegar seu número.

  Foi só no dia seguinte, depois de acordar na delegacia com uma dor de cabeça terrível, que se lembrava vagamente da menina. Droga, podia ter pegado o número dela, apesar de não lembrar muito do que falaram na noite anterior – sabia, ao menos, que ela era legal. Seu irmão mais velho pagou a fiança com cara feia e o arrastou pro carro, a caminho de casa para algum sermão que seria abafado depois por perguntas de como foi a noite. Queria lembrar. E de tanto querer lembrar, lembrou-se que tudo que havia no bolso era a resposta para os fragmentos perdidos da noite: tirou de lá um celular com capinha cor-de-rosa. Estava bloqueado com senha, mas nas notificações recentes era possível ler algumas mensagens. Perguntas de "onde você está?", imagens e uma mensagem de algum tal de Lucas com um "não", com direito a ponto final.

Sujeito grosso, pensou Lúcio, Deve ser amargurado na vida.

  Esperava que a menina não tivesse feito uma pergunta importante. De qualquer forma, veria se ia conseguir devolver o celular, se ia conseguir encontrar a dona. Aproveitaria para pegar o contato dela, então, e quem sabe chamar para sair mais uma vez.


  Sim, havia sido uma noite bem legal para ele...

365 days writing: A New Year Misery

  365 DAYS WRITING
 #1 DIA: UMA HISTÓRIA/CONTO SOBRE UM PERSONAGEM NA VIRADA DE ANO

- Renèe, 1 de janeiro de 2018

  No começo pensei que as luzes do farol do carro em meio a escuridão da estrada fossem ser minha única companhia nesta virada. A lua, as estrelas e as luzes desta acolhedora cidade me presentearam conforme eu sentia o acelerador sob meu pé.

  Esta noite o céu está limpo, aliás. Mesmo dentro da cidade consigo vislumbrar com clareza diversos pares de estrelas, constelações perdidas em lembranças e uma grande, brilhante e divina lua cheia. Lua minha, lua dele. Ainda depois de tudo eu sentia-me aquecida por suas memórias, como se estas fossem fonte interminável da minha energia.

  É a primeira vez que passo uma virada de ano sozinha. É tudo muito poético, tudo tão lindo, no entanto tão solitário. Sinto saudades de casa, de meus gatos e da família que deixei na cidade grande. Espero que estejam bem e entendam que mesmo hoje preciso terminar meu trabalho. Gostaria de ter trago alguém, no entanto: mesmo que seja egoísta querer compartilhar desta solidão, tenho a impressão que ele se sente só mesmo cercado das luzes deslumbrantes do dinheiro.

  A solidão já é algo com o que estou acostumada, sim, mas ver os fogos sozinha não foi algo que me agradou. Me fez pensar no futuro, no passado, no que estava havendo com minha vida em todos os aspectos mais sombrios. Me fez chorar, por um breve segundo – chorar por dentro. E então eu engoli todos os sentimentos que me atacaram ao olhar novamente para a lua, minha lua. E ela sorriu de volta para mim, em meio a uma nuvem passageira.

  Era ano novo, lembrei-me então, um ano novo com lua cheia!

  E eu senti a energia voltando a mim. Eu senti o que eu era, o que eu queria e tinha que ser. Enterrei o lamento mais uma vez e abri meu coração para o amor fluir novamente, e voltei a conversar com a lua. Conversei com ela sobre meus sentimentos, sobre meu amado, sobre minhas expectativas. Eu acho que ela ouviu tudo, mesmo em meio aos barulhos das comemorações.

  Depois de tudo isso, sai do carro e sentei na praça para comer algum lanche e olhar as pessoas se divertirem de branco. Era uma cidade pequena e boa parte estava em casa, cuidando de sua própria familia e ceia, mas aqueles que deixaram-se perder pela diversão se juntavam em um único lugar para dançar e beber. Mesmo quando entrei novamente no carro, ainda festejavam com seus copos cheios de emoções vazias.


  Eu sei que sou a mesma do outro ano, de horas atrás. Mas me sinto segura ao menos uma vez – segura por ter tentado, segura por ser quem sou.

sábado, 7 de janeiro de 2017

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Sombras, grandes sombras por todo o caminho. Um poste de luz enfraquecido iluminava de forma solitária a rua, o vento balançando suavemente o capuz da jovem que terminava de virar a esquina. Ela havia virado no exato momento em que ele saia pelo portão do prédio - e ainda que estivessem na mesma calçada, indo de encontro um com o outro, nenhum de fato notou a presença do outro.
A música no fone de ouvido dela tocava alta e seus lábios moviam-se despreocupadamente seguindo a letra da canção. Seus olhos estavam baixos, ora olhava para o chão, então continuava a ler algo em seu celular, seu andar era ritmado: seus allstars moviam-se de forma curiosa, infantil e graciosa, como em pequenos saltitos para controlar uma dança - e, de fato, sua cabeça movia-se de um lado ao outro suavemente de forma ritmada.
Quando ele finalmente parou de arrumar algo em sua bicicleta e prestou mais atenção no caminho, avistou a garota de capuz e não deixou de sorrir um pouco. Parando, subiu em sua bicicleta e passou para a rua sentindo seus cabelos negros agitarem-se para trás conforme ganhava velocidade. A música eletrônica tocava baixa em seu headphone por trás da voz feminina com quem conversava, voz esta que era sua motivação para estar saindo àquela hora. Enquanto a garota monologava a respeito de um curso de francês, Léo não deixava de imagina-la, delirar com a pseudovisão de seus radiantes olhos azul-claros entreabertos e seu sorriso rosado - a garota que sempre sonhara e buscara na faculdade, agora tão perto de si e quase ao alcance de suas mãos!
Aquela seria a noite. Ele apareceria de surpresa na frente de sua casa, a levaria na pizzaria e após uma longa noite de conversas e risadas a pediria em namoro. Distraido em pensamentos, não notou quando a voz cessou.
Retirando o capuz de sua blusa, a garota corou enquanto a bicicleta passava ao seu lado. Alguém a havia visto cantar? Que vergonha! Mas não deixava de sorrir, achando um tanto engraçada a situação - estava animada demais com sua nota máxima em Literatura Portuguesa para se preocupar com alguém aleatório vendo-a cantarolar e saltitar. Quem ligava pra esses vizinhos loucos, afinal! - e tornava a rir baixo com um sorriso fechado.
Sua casa estava apenas a alguns passos: sortuda, o único poste de luz da rua ficava exatamente ao lado do portão de sua garagem, de modo que seu caminho não era tão escuro quanto os que moravam mais ao final da rua - a próxima iluminação estava só na esquina da outra calçada. Já removia os fones, desligando o player de música e pegando as chaves no bolso da blusa quando notou o brilho do metal caído a sua frente. Abaixando-se, recolheu o pingente mediano. Era círcular e único: possuia dois niveis circulares e em seu centro, envolto em um lótus, revelava-se o mantra Om. Enquanto entrava em casa com a peça em mãos, notou o motivo de sua perda: sua argola havia se aberto.
- Leonardo Rodriguez! - a voz aguda e estridente pareceu ecoar no headphone, despertando Léo de seu delírio romantico - Pelo amor de Deus, ainda está vivo aí?
- Desculpa, Ana, vou ter que desligar, aguente aí - ela não respondeu, não teve tempo. Pressionando algum botão no próprio fio do headphone a ligação foi encerrada. Ele podia muito bem imaginar que, a duas quadras dali, ela estava vociferando aos ares de seu quarto sua revolta por ter sido deixada a falar sozinha, e não pode deixar de sorrir por isso. Esperava que ela o perdoasse daquela vez, ao menos.
Número 312, 314, 316... Parou em frente a casa amarela com ares de luxo, o jardim impecável com bichinhos de cerâmica parecendo faze-lo perder a coragem - o que estava fazendo mesmo? Respirou fundo, não. Aquela era a noite! Já faziam dois anos e a cada dia estavam mais próximos... Ele não lembrava bem quando começara a gostar da filha do candidato a prefeito daquela forma e nem quando começara a notar as olhadas um tanto diferentes dela sobre si, mas já faziam quase quatro meses que namoravam sem de fato se namorar. Eram longas encaradas em silêncio, raros momentos em que não se falavam e uma crescente intimidade. Havia sinal maior de relação perfeita?
Bateu palmas, os latidos no fundo da casa e na vizinhança fizeram-se presente cortando o silêncio. A mãe de Ana apareceu na janela pouco depois e, com um sorriso, desapareceu na cortina: quem abriu a porta foi a própria Ana em seu camisão cinza e shorts de pijama, os longos cabelos negros caindo como cascatas em seus ombros.
- Eu devia te deixar plantado aí fora, para ser devorado pelos pernilongos - resmungou, atravessando o jardim.
- E perder a oportunidade de eu te pagar uma pizza? Você não faria isso - sorriu cumplice. Ela mordeu o lábio inferior, parecendo pensar na ideia enquanto abria o portão.
- Podia ter me avisado pelo telefone, aí eu já teria posto uma roupa decente...
- Não vejo nada de indecente nisso que você está vestidindo - retrucou fingindo um misto de decepção e reprovação em sua voz - Pelo contrário, está parecendo quase uma freira, mal posso ver seu joelho - a gargalhada da garota preencheu o jardim ao passo que tomava a mão do rapaz e arrastava-o casa adentro. Esta é a noite, pensava ele, o coração batendo tão forte no peito que temia que todos ali pudessem ouvi-lo. Esta é a noite.
O despertador em formato de cachorro despertou Gabriella em um sobressalto. Que pesadelo havia sido aquele!, resmungou enquanto pressionava um botão no aparelho para que parasse de tocar e vibrar toda a cabeceira de sua cama. Quando enfim criou coragem para levantar, parou na porta e riscou o número do dia correspondente, em seguida avaliando as tarefas que teria que realizar, todas escritas em japonês - foi então que se lembrou: aquele era o dia.
Com o novo ânimo correndo em cada movimento apressado que fazia, riscava cada item ansiosamente tentando lembrar a si mesma que não importava o quão rápido fizesse as tarefas, o horário de lançamento de seu tão almejado novo drama não chegaria mais rápido também - não que tivesse efeito, é claro. Havia esperado aquele único dia por meses e agora sentia-se vibrar por dentro!
Quando o item "buscar o caderno que encomendei" chegou precisou de longos minutos para enfim criar coragem de sair de casa e, quando finalmente seguiu o caminho para o centro da cidade, o sol parecendo perseguir sua pele enquanto esgueirava-se pelas sombras das árvores nas calçadas. Pensava na faculdade, no trabalho que teria que fazer sobre um livro que sequer começara - seus professores achavam que não tinha outros livros para ler, esperando ansiosamente na estante de seu quarto? - e de certa forma já sentia-se mentalmente cansada apenas de imaginar. Havia há pouco apresentado um seminário que a testara com todos os graus de dificuldade imagináveis, desde o livro entediante e longo, os detalhes e pontos complexos exigidos pela professora até sua própria sala de aula. Não era a coisa mais fácil apresentar um seminário de quinze minutos sozinha quando todos estão mais preocupados em discutir sobre boatos de um suposto criminoso que estava atacando a cidade.
Gabrielle estralou a lingua enquanto sua mente rumava para tal coisa que sequer saira no jornal local, mas que apenas ficava na boca do povo em o que já fazia quase dois meses - porém sequer pôde concluir seu raciocínio: um gemido de dor, tão baixo que fez a garota pensar se delirava. Paralisada na calçada, tentou ouvir o som novamente e lá estava ele arrancando um suave calafrio da jovem de cabelos cacheados, desta vez ainda mais baixo, mais parecendo um arfar. Suas pernas apressaram-se mais do que pretendia na direção da voz, o coração batendo rápido dentro do peito, e sua boca abriu-se em um perfeito o quando avistou o rapaz caído, praticamente jogado ao lado da linha do trem.
- Ei! Você está bem? - com o coração disparado, desceu o barranco de gramado, porém não houve resposta. Por um momento, Gabrielle esqueceu como se respirava. Ele estava morto? Com as mãos tremulas e sem conseguir tirar os olhos da figura a sua frente, agarrou o celular.
Quando a luz clara e forte ardeu seus olhos, a primeira coisa que Léo pensou foi "merda" antes de fechar novamente as orbes claras e levar a mão esquerda ao rosto - ou, ao menos, tentar. A dor lancinante atingiu-o como um soco no estômago ao tempo que as memórias voltavam a si com um gosto amargo. Forçou-se a abrir os olhos lentamente. Estava em uma cama de hospital, do seu hospital. Um pequeno sorriso cínico mostrou-se em seu rosto. O silêncio pacífico reinou por algum tempo e ele nada fez além de deixar-se relaxar e observar a cortina que o separava de outra cama - estava em um quarto compartilhado. Ao menos não fora tão grave, afinal. Sentando-se como podia, avaliou seu estado. Alguns arranhões feios nas pernas, seu pulso e mão esquerdos enfaixados e um curativo no joelho que era tão grande que o assustou, ainda que não sentisse nada no local. Um arfar feminino o despertou de seus pensamentos. Parada na beirada de sua cama uma jovem o olhava como se visse um fantasma, fazendo-o erguer uma sobrancelha. Parecendo recompôr-se, a jovem desviou o olhar e apressou-se para a direção de onde viera - ele ainda ouviu ela dizer "ele acordou", seguido de uma movimentação e logo avistou a face preocupada de Ângela.
- Você tem muita coisa pra explicar, doutor - disse a enfermeira de meia idade. Ele deu de ombros e sorriu cinicamente murmurando um "é" vago - E vai precisar de uma ótima desculpa.
- Eu apenas perdi o equilibrio, Ange - mentiu em rouquidão, a mais velha bufando.
- Certo, certo. Você finge que é verdade e nós fingimos acreditar, assim como estamos fazendo há meses - torceu o nariz. Léo precisava mudar de assunto e logo!
- Quem era a garota? - murmurou baixo para que ninguém mais ouvisse enquanto a outra o examinava.
- Ela quem te encontrou todo acabado na beira da linha e chamou ajuda. Aí ela está esperando desde cedo aqui, parece que o delegado quer falar com ela.
- E não falou ainda? - perguntou, mas sabia a resposta. Ângela abriu um sorriso zombeteiro e voltou de onde viera com seu andar tranquilo e quase rastejado. O tédio o pegou em menos de um décimo de segundo e, estralando a língua, sentou-se na beira da cama e apoiou os pés no chão. Seu corpo doía, muito. Sentia seus os músculos de seus ombros quase clamarem por misericórdia, então lembrou-se de como havia caído com tudo de costas no chão... Era extremamente sortudo por não ter quebrado mais que o pulso. Ele até fizera o movimento para se levantar, porém o som de passos em sua direção o segurou. Ela o fitou novamente antes de falar, desta vez seu olhar era mais suave, quase terno. Quase.
- Quando te achei, eu realmente não esperava que acordasse em menos de doze horas - comentou com sinceridade mais para si mesma. Ele de fato parecia bem melhor agora, reparou, e não pôde deixar de reparar mais uma vez o quanto o homem era atraente. Não era tão novo, mas também não era velho. Deveria ter o quê? Trinta anos? Não lhe dava mais que trinta e cinco e tinha a certeza de que se sua barba não estivesse por fazer não lhe daria mais que trinta.
- Eu estava tão deplorável assim? - riu. A risada dele é bonita também, pensou, em seguida condenando-se por ter tais ideias e abrindo um sorriso.
- Bem... Digamos que você estava de um jeito estranho e sua mão não estava lá de uma forma humanamente possível... - resumiu contraindo os lábios e desviando o olhar. Ele estava muito pior do que ela descrevera. Além de estar caído de uma forma bizarra como um boneco de pano e de sua mão quase ter lhe dado ansias por si só, Gabrielle não sabia dizer o que eram cortes e o que era sujeira. Era como se o rapaz houvesse acabado de retornar de um campo de guerra: suas roupas estavam empoeiradas e com sutis rasgos, seu rosto e pele igualmente sujos de terra e sangue seco. Ele reprimiu uma careta e sorriu.
- E então há você, minha salvadora - por um momento, por um rápido momento, uma fração de segundos, ele havia ronronado aquelas palavras? Gabrielle piscou, um tanto atônita, e sentiu as bochechas queimarem. Devia estar imaginando coisas. Ele abaixou o olhar por um momento, então voltou a fita-la de forma amistosa - Eu sou Leonardo.
- Gabrielle - disse timidamente, desviando o olhar. Ele sorriu novamente e se levantou, reprimindo uma expressão de dor - Ei, cuidado! Você deveria descansar um pouco, a-acho - enrolando-se nas palavras, o olhar curioso do homem a sua frente a fez recuar. Ele balançou a cabeça e sorriu de canto, então parando seu olhar sobre algo que não necessariamente era alguma coisa.
- Se vão te fazer esperar, ao menos que não seja nesta parte do hospital.
Sentindo o corpo arder a cada passo e seus ombros reclamarem a dor, Léo sentiu o olhar de sua salvadora sobre suas costas enquanto andavam lentamente até a sala de repouso. Quando chegaram, ela fez questão de pegar café para os dois por conta própria, apesar de suas tentativas de convence-la de que podia e sentia-se em cordial obrigação de fazer isso sozinho. A sala não era grande: apenas um sofá de três lugares e duas poltronas ao redor de uma mesa de centro repleta de inumeras revistas aleatórias, uma copa minúscula e alguns armários.
Dolorosamente alongando as costas como podia em sua poltrona, permitiu-se organizar as memórias que mais pareciam fragmentos embaçados. Lembrava-se de entrar na casa de Ana Silvino e subir com ela para seu quarto sob olhares nada legais de seu pai. Lembrava-se dela o deixar sentado sobre sua cama de casal enquanto ela ia se vestir e também que ela o acompanhara até a pizzaria com um maravilhoso - e decotado - vestido listrado. Eles conversaram, eles riram, eles fizeram o pedido da pizza e de bebidas, ela disse que ia ao banheiro.
Foi então que a noite ficou estranha. Ele saiu da pizzaria... Por que ele saiu? Não lembrava, mas sabia que era algo a respeito de sua bicicleta, pois lembrava de um homem falar com ele quando ainda estava sentado a espera de Ana. Quando saiu para verificar, lembrava-se de ser abordado por um sujeito alto e robusto que nunca vira antes - ele não disse nada, apenas o empurrou para trás violentamente fazendo-o cair e trocou olhares com alguém atrás de si. Olhares que ele definitivamente não gostara. Olhando de canto de olho para trás, para a porta da pizzaria, notou como outro homem observava a cena com a expressão séria. Aquele homem estava com seu agressor, não precisava ser nenhum gênio para chegar a esta conclusão. Léo lembrava-se de tentar chegar a porta para tentar chamar a atenção de alguém, lembrava-se de gritar alguma coisa na esperança de alguém ajuda-lo, porém não se recordava de ninguém ter aparecido.
E então ele correu. Correu o mais rápido que pôde, movendo-se como uma cobra por entre os braços largos e fétidos que tentavam agarra-lo, alcançando a chave da tranca no processo e milagrosamente escapando por segundos. Não sabia como fizera aquilo, não sabia quem eram aqueles homens e nem o que queriam além de machuca-lo. Quando concentrou-se na borracha familiar dos guidões e no aperto firme de suas mãos sobre eles, sentiu-se seguro e pôde respirar com mais tranquilidade, mesmo que ainda sentisse seu coração disparado. Léo lembrou-se que planejava ir para casa, mas que pensara em Ana quase imediatamente e foi forçado a parar a bicicleta e discar o número da garota, mas a chamada foi recusada. Repetiu a discagem. Então tudo parecia um borrão... Um borrão de luzes, gritos, a lembrança da adrenalina enquanto acelerava cada vez mais. Eles o perseguiam, Léo tinha certeza disto, porém não se lembrava como. Moto, carro? Estralou a língua. Lembrava de ter caído. Mas por que caira? Não fazia sentido.
Depois apenas lembrava de sentir dor, muita dor, dor para valer, e de ouvir algumas palavras... Palavras. Foi quando lembrou da garota, Gabrielle, e voltou sua atenção em direção a poltrona onde estava sentada com a vista baixa no celular, a expressão do mais puro e sincero tédio, sentindo-se um tanto culpado pelo silêncio que deixara se estabelecer.
- Você pode ir para casa, se quiser. Pode me dar seu endereço e eu passo para o delegado quando ele chegar.
- Não quero ninguém indo lá em casa, ainda mais da polícia - resmungou - Não acho que ele vá demorar muito mais... - Ele não demoraria tanto se houvesse um cadáver, pensou. Seriam aqueles homens que estavam fazendo as vítimas? Bem, no fim todos estavam no mesmo local, mas em pontos diferentes: a linha do trem.
Gabrielle notou como ele parecia pensativo desde que se sentaram. Seus lábios contraiam-se e sua expressão se fechava em determinados momentos, ainda que ela não soubesse se aquilo era pelo que ocorrera para que ficasse daquele jeito ou se pela dor dos ferimentos que ela ainda julgava horríveis, mesmo já devidamente tratados e cobertos. Ele deveria ter notado o olhar da outra sobre si ou enfim despertado-se de seus pensamentos, pois sua face iluminou-se por um momento e seus olhares se encontraram. Ela ainda o sustentou por alguns instantes antes de desviar, achando-se tola por sentir seu rosto quente. Droga, ele era terrívelmente belo. E aqueles olhos... Céus, quase pegava-se arfando diante daquele tom azul safira circulado por um anel negro. Já vira olhos azuis, mas certamente não chegavam perto da beleza dos do médico.
Ele ainda a encarava, ela podia sentir isto enquanto fingia ver alguma mensagem no celular, e ela ainda sentia seu rosto ardendo. Quando a porta se abriu após duas batidas rápidas, ela ainda lembrou-se de agradecer a todos os deuses que recordava no momento. O delegado era um homem de meia-idade calvo, com um nariz grande e estranhamente fino - e, como Gabrielle notou, vestia uma bota de cowboy um tanto esquisita. Quando finalmente saiu daquele lugar, teve a certeza de que esperara quase três horas para absolutamente nada. Após algumas perguntas clichês como "como você o encontrou?", "que horas eram?", "havia mais alguém?" e "reparou algo de estranho no local ou encontrou alguém suspeito no caminho?" Gabrielle fora liberada para voltar para casa e deixar o médico sozinho com o delegado. Ainda não entendera o que ele perguntou sobre encontrar alguém suspeito no caminho - como saberia que alguém é suspeito, oras.
Resmungando, passou para pegar a encomenda de caderno no caminho e voltou para casa. Sua irmã a olhou com curiosidade quando passou sem falar nada e, fechando a porta do quarto atrás de si, jogou-se na cama. Estava com fome e estava com sono. Virou o rosto no travesseiro e fechou os olhos, as orbes azul sáfira invadindo a escuridão de sua mente como um fantasma.
Quando parou em frente ao portão cinza-escuro uma certa angústia lhe acometeu. Pouco depois que o delegado saira, Léo se tocara que não havia agradecido sua salvadora. Que tipo de pessoa ele era, incapaz sequer daquilo? Bateu palmas, a porta de vidro se abriu algum tempo depois e uma garota espiou por uma fresta antes de abrir totalmente. Ela sumiu de vista, disparando como um raio quando disse quem procurava, e após algo que pareceu a eternidade o rosto conhecido se aproximou. Havia confusão em seus olhos verdes, curiosidade. Curiosidade. Essa era uma coisa que certamente ela despertara nele e ele sequer soubera o motivo.
- Como descobriu onde eu moro? - perguntou na lata. Ele deu seu melhor sorriso amarelo, coçando a nuca.
- Bem, parece que uma das enfermeiras conhece sua mãe - ela acenou em compreensão, então não disse nada, apenas esperou ele dizer o que quer que fosse. Céus, os olhos dela eram realmente muito bonitos! Não notara antes devido as lentes, mas agora via com clareza as brilhantes orbes verde acinzentadas fitando-o de forma séria e impaciente - Eu vim agradecer... Sabe, por ter me salvado. Você deve estar me achando o maior grosso por não tê-lo feito antes - riu com o nariz.
- Para falar a verdade, nem passou pela minha cabeça - piscou.
- Então... - desviou o olhar, erguendo as sobrancelhas enquanto escolhia as palavras - Eu moro aqui do lado... No prédio azul, sabe? É engraçado nunca termos trombado - sorriu. Ela franziu o cenho. Céus, estava se sentindo um idiota! - Então... Bem, obrigado de novo. Se precisar de algo, pode me chamar... Tenho uma dívida com você agora, não? - ela sorriu.
- Não precisa disso tudo, vamos. Você não estava tão acabado assim, garanto que não ia morrer.
- Bem, pela sua descrição eu já estava parecendo um zumbi.
- Ah, acredite, estava mais para aquela garota do Exorcista! Até fiquei em duvida entre chamar a ambulância ou o padre - riram, trocaram mais algumas palavras e ele se foi. Mas, ainda que ele tivesse se afastado da outra, ela ainda estava em sua mente, mesmo quando deitou-se na cama e forçou-se a pensar no ocorrido da noite anterior ela surgia. Ela, sua salvadora.
Estralou a língua, batucando a ponta da caneta em sua agenda aberta. Certo, ela não havia exatamente o salvado, seus ferimentos não eram considerados nada próximos de serem fatais - mas ela combinava bem com o título e ele continuaria a chama-la assim. Com um suspiro profundo, revirou os olhos: estava perdendo tempo. Voltando seus olhos para a página em branco da agenda, começou a marcar horas  e listar o que se lembrava. Algo não estava certo. Em três meses haviam quatro mortos encontrados na linha do trem e um sobrevivente. Por quê, diferente dos outros, ele não havia morrido?
As horas passavam rapidamente. Encarando novamente seu caderno de anotações do trabalho, avaliou as fichas das demais vítimas: a primeira, uma mulher de cinquenta e dois anos que fora encontrada a cerca de 25 metros do prédio da estação ferroviária, jogada de atravessado sobre a linha - havia morrido instantaneamente com um tiro no peito. O segundo era seu marido e fora apenas uma semana depois aos 35 metros de distância do prédio da estação, ao lado da linha: além de um tiro na perna, havia levado quatro facadas nas costas. O terceiro ocorrera um mês depois e foi um choque para todos: era o filho do candidato a prefeiro - era o irmão de Ana, o tão adorado capitão do time de futebol da cidade. Não era um cara de inimigos, Léo o conhecia bem, eram amigos. Julio era calmo e extremamente passivo, ou seja, nem que quisesse entraria em uma briga, além de fazer amigos com grande facilidade. Com a garganta seca, Léo continuou a análise. 30 metros da estação, um tiro a queima roupa...
- Droga - murmurou, o nó formando-se na garganta. Sempre que lia aquilo sentia a mesma coisa, exceto pelo ódio que cada vez mais mostrava-se controlável. Queria encontrar quem fizera aquilo, queria encontrar quem matara seu melhor amigo, precisava encontrar aquela pessoa e Deus sabe-se-lá o que fazer com ela. Ele o havia deixado de forma tão repentina, tão brutal...!
Sabia que haviam o forçado a ir até a linha, um corte fino e uma marca sutil na base de suas costas indicavam isto perfeitamente: ele havia sido rendido e levado até lá, o que não ocorrera com os outros dois. A segunda vítima possuia sinais de hematomas provocados por uma queda, indicando que ele havia sido levado por alguém, já a primeira não possuia absolutamente nada: Léo apostava tudo que ela estava passando no local quando foi abordada pela morte.
Foi apenas após a morte de Julio que uma câmera foi posta no local, mas isto não impediu a quarta vítima, um homem de setenta e seis anos encontrado a oitenta metros da estação. Morrera com seis tiros no abdome, a câmera não captara nada. E então havia ele, a 40 metros, com um pulso quebrado e alguns hematomas, mas nenhum tiro.
Nenhum tiro. Talvez não fossem os mesmos bandidos, afinal - ou ele de fato os havia despistado ao cair da bicicleta.
Como havia caído mesmo?

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Tormenta

Estou cansada de chorar
Estou cansada de esconder,
de sangrar por você sem você saber
Quero parar de fingir não entender
Gritar para todos o quanto gosto de você
Gritar para todos o quanto te desejo desde aquele nosso primeiro beijo
Mas por mais que eu grite, por mais que eu te chame
Você nunca se vira para me encarar
Nunca se vira para os meus olhos ver

Então me diga por favor
Me diga o que há com você
Me diga por que me faz sofrer nesta amarga dor
Por que insiste em fazer de minha vida uma sinfonia fora de sintonia?
Por que levou com você toda minha tristeza e aproveitou para levar também a alegria?

O vazio que em meu peito se instalou é cruel
O som do nada ecoa em meus ouvidos,
Meus olhos vidrados para o lamento que passa sobrevoando no céu sem estrelas ou sol
E tudo que posso pensar é nos seus lábios doces como o mel
Em seus olhos verdes que se tornaram meu tormento, que não saem do meu campo de visão mesmo quando você não está

E tudo que posso imaginar é a pergunta
Por que fez isso com quem te amou?

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Estratégias

Eu grito, mas você não escuta
Te abraço, mas nada você sente
E quando fala você apenas mente
Por que apenas eu estou nesta luta?

Eu planejo estratégias para nós dois
Traço sonhos para ser sua
Mas você observa apenas a lua
Me diga onde seu coração foi!

Estou cansada da batalha
Acordando humilhada até mesmo pela imagem muda de seu rosto
Desperdiçando meus tempos olhando você segurar a navalha
E apontar para meu coração com a crueldade de um monstro

Mas que belo monstro és
Eu realmente não deixaria nosso beijo para depois
E mesmo que me faça sofrer eu sei que a mim você ainda quer
E que esse romance foi feito apenas para nós dois

Veja, veja o brilho em meus olhos
Apenas eles podem ver quem você de fato é
Veja, veja o passado dos nossos amores
Nem um se compara ao que este é

Mas ainda assim
Sempre que planejo estratégias para nós dois
Traçando sonhos para ser sua
Você apenas observa a rua...
Por favor, mova seus olhos até mim!